CapÃtulo 02 - Festa do Pijama e Conversas sobre Sonhos
Não via nada, não ouvia nada. Aliás não sentia nada.
O que será que restou do meu corpo?
O que restou de mim Arata Kasuga?
Agora que as coisas chegaram a esse ponto, posso afirmar com toda certeza: o fim do mundo chegou.
Logo uma catástrofe terrÃvel vai consumir tudo o que existe até o pouco que restar da minha consciência.
O mundo está vivendo seus últimos instantes.
Foi por isso que eu vivi?
Era isso o que eu queria?
Por isso tudo?
“Não.”
Uma voz sem corpo respondeu embora eu nem tivesse certeza de que ela era mesmo “sem corpo”.
O importante é que, de repente, percebi que eu ainda existia.
Eu não sentia nada, mas sabia que algo estava ali, logo à frente.
Estendi a mão direita e toquei… algo macio, quente e elástico.
Hm, agradável.
E nesse instante fui arrancado dos braços de Morfeu.
◆◆◆◆◆
— Nyan♪ — soltou um gritinho meigo a garota miúda deitada ao meu lado.
O “algo” que eu tocava, aliás, era o seio dela. E diga-se de passagem, um par bem generoso.
— Irmãozinho Arata, você é tão… agressivo, nya♪
— Aham.
Essa era Yui Kurata, uma das minhas amigas da Real Academia Biblia.
No meio do sono, eu tinha me esticado e apertado o peito dela.
Isso já virou tradição, então nem adianta eu me justificar.
— Certo… se a Yui está aqui, então quer dizer que… — ainda segurando o “algo”, virei a cabeça para a esquerda e vi Arin Kannazuki, outra das minhas colegas.
— Sim, meu marido. Sou eu. Você me encontrou — disse ela, com o rosto impassÃvel.
— Ah, então desta vez vocês estão de pijama.
— Uhum♪ — respondeu Yui, animada.
Da última vez que apareceram, elas tinham entrado na minha cama peladas.
Hah… só de lembrar, é uma bela imagem.
— Lilith-sensei ficaria furiosa se ficássemos nuas de novo.
Pois é, ela realmente ficou.
Minhas queridas amigas aprenderam a lição e vestiram pijamas.
Em teoria, estamos todos dentro da lei. Ótimo.
— Certo, vamos dormir mais um pouco.
— Vamos♪ — cantou Yui.
— Como quiser, meu marido — murmurou Arin, sem expressão.
Eu já estava me acomodando, abraçando as duas e fechando os olhos, quando…
A porta se escancarou com um estrondo.
— Arata! De novo você trouxe a Yui-san e a Arin-san pro seu quarto?!
Eis o raio de sol que surge pela manhã.
Na porta estava Lilith-sensei ou melhor, Lilith Asami.
Ela é uma verdadeira joia no mundo da magia.
Apesar de ter a mesma idade que eu, já trabalha como professora na academia.
Inteligente, dedicada, linda e com um corpo… digamos, abençoado.
Um ótimo começo de dia.
— Oh, Lilith.
Ela olhou para a minha mão que ainda estava no peito da Yui e entendeu tudo de imediato.
— A-a-aah!.. — balbuciou, corando até as orelhas, e apontou para mim, trêmula.
Parecia prestes a me dar o sermão habitual, mas, vendo que as garotas estavam vestidas, ficou sem palavras.
A professora dentro dela não encontrou nenhuma infração formal.
Mesmo assim, Lilith sempre foi contra “esse tipo de relação”, então um escândalo parecia iminente.
E eu odeio ver as pessoas bravas ou tristes.
Melhor resolver pacificamente…
— Desculpe, Lilith. Eu devia ter te convidado também.
— E-Eh?! — exclamou, completamente atordoada e vermelha como um tomate.
Ah, exatamente a reação que eu esperava.
— Então eu fico aos pés do Arata, e a Lilith-sensei pode pegar o meu lugar♪ — sugeriu Yui, deslizando para baixo na cama.
— Não. Eu não cederei as costas do meu marido — declarou Arin, abraçando-me ainda mais forte.
Bom, se a gente se apertar um pouco, quatro cabem tranquilamente.
As camas do dormitório são bem grandes, afinal.
— Vai lá, vem com a gente!
— N-nem pensar!
Lilith pegou o boné e me acertou no rosto com ele.
— Ai…
Agora ela estava sentada na beira da cama, abraçando um travesseiro e emburrada.
— Lilith-sensei, no fundo você queria se juntar a nós, não é? — perguntou Yui.
— Eu estou com raiva, só isso! — retrucou Lilith.
— Tão complicada… — suspirou Arin.
Yui e Arin se sentaram no chão, de pernas cruzadas, diante dela.
Uma cena que eu já vi mais de uma vez — virou quase tradição.
Tentei defendê-las:
— Vamos lá, Lilith. Elas só estavam me ajudando.
— Ajudando? — perguntou ela, arqueando uma sobrancelha.
— Quando nos enfiamos na cama do irmãozinho, ele estava tendo um pesadelo. Suava como uma cachoeira explicou Yui.
— Sim. Eu também senti flutuações perigosas no fluxo mágico. Então infundimos um pouco da nossa energia para estabilizá-lo completou Arin.
— Entendo…
Lilith pareceu acreditar.
Mas… só pegar nas mãos já seria o suficiente pra transferir magia, até eu sei disso.
Espero que ela não se lembre.
— É verdade, eu estava tendo um pesadelo. Obrigado por me tirarem de lá.
— Que isso, irmãozinho. Eu faria qualquer coisa por você.
— Uma esposa deve apoiar o marido.
Ahh, como é bom ser amado.
— Mesmo que o Arata estivesse sonhando, pra perceber isso vocês teriam que ter entrado no quarto primeiro, não é? — raciocinou Lilith.
— Ah, fomos descobertas — suspirou Arin.
— Pois é, não adianta negar. A verdade é que eu só queria vir ver o Arata — sorriu Yui, despreocupada.
— Yui-san! Arin-san! — bradou Lilith, iniciando mais uma rodada de broncas.
Enquanto isso, eu pensava: ultimamente, tenho mesmo tido muitos pesadelos.
Talvez porque sou um candidato a Senhor das Trevas uma figura perigosa para o mundo.
Será que um dia meus pesadelos vão se tornar realidade?
— Ei, relaxa essa cara — disse alguém, vindo aparentemente de cima.
Levantei os olhos não havia ninguém no teto.
— Hm? Isso foi…
— Achei que ouvi a voz da Levi-san — comentou Yui.
As garotas começaram a olhar ao redor, confusas.
— Hihihi, tô aqui! — gritou Levi Kazama, jogando de lado o cobertor da segunda cama.
— Festa do pijama! Sorriso pra foto! — pediu Selina Sherlock, deitada ao lado dela, disparando o obturador da câmera sem parar.
Levi usava um quimono de dormir japonês, e Selina, um pijama folgado com calça e camisa.
— Espera… há quanto tempo vocês estão aÃ?!
— Eu sou uma ninja. Especialista em infiltração e sabotagem — respondeu Levi, com toda seriedade.
Curioso. Ela estava deitada na cama, mas juro que ouvi a voz vindo do teto.
— Ninja, você é incrÃvel.
— Hehe, eu sei — disse ela, empinando o peito com orgulho e balançando o rabo de cavalo.
— Entramos logo depois da Yui-san e da Arin-san. Foi difÃcil ficar escondidas tanto tempo confessou Selina, balançando os dois coques. Que menina sincera.
— Então vocês estão aqui desde a noite passada?!
— Sim, Lilith-sensei. E confirmo: Arata-san estava mesmo tendo pesadelos, e o fluxo mágico estava instável — disse Levi, mudando habilmente de assunto.
Tomara que Lilith não volte ao tópico “festa do pijama no quarto do rapaz”.
— Hm… bem, é verdade. Magos podem ter sonhos premonitórios quando estão sob influência de algo, ou quando a magia sai do controle — refletiu Lilith, coçando o queixo.
— Sério? Então isso também já aconteceu com você? — perguntei.
Todos sorriram.
— Estudar magia é repetir o processo de encontrar, aceitar, visualizar e compreender algo que não existe em você, respondeu Lilith, com uma expressão distante.
— É entender e aceitar o que te falta sua “temática”, por assim dizer mesmo que seja algo que você deteste.
— Hm… algo que não existe em mim… — murmurei.
O meu tema é “Impel”, o domÃnio.
Então quer dizer que isso é o que me falta?
Faz sentido. Nunca quis dominar ninguém.
Gosto da paz e da tranquilidade.
Só quero viver do meu jeito, sem perturbar ninguém.
Mas… a vida deu um jeito de me avisar que essa paz não vai durar.
O estranho Fenômeno de Ruptura, capaz de arrancar de mim tudo o que amo;
os acidentes mágicos que ocorrem cada vez com mais frequência e isso é só a ponta do iceberg.
Pra resolver tudo de uma vez, talvez fosse mesmo necessário governar o mundo inteiro.
Mas… eu não faço ideia de como.
Talvez por isso o tema “Impel” tenha vindo pra mim.
— Eu também andei tendo pesadelos — disse Arin, erguendo a mão. — Por isso vim me acalmar nos braços do meu marido.
— Sério? Está melhor agora? — perguntei, preocupado.
— Sim. Agora estou bem. A Yui me ajudou a me recuperar.
Yui sorriu toda orgulhosa:
— Eu sou especialista em sonhos! Tenho certeza de que meus seios ajudaram, né, irmãozinho?
Não resisti e concordei:
— Oh, com certeza. São excelentes.
Yui soltou uma risadinha feliz.
— E-esse método de cura não existe! — exclamou Lilith, vermelha.
Pode até não existir, mas mérito é mérito.
Foi Yui quem me tirou daquele vazio escuro.
— Yui, Arin… obrigado.
— De nada, irmãozinho. Qualquer coisa por você.
— Sou sua esposa. É meu dever.
As duas abaixaram o olhar, coradas.
E meu coração se aqueceu.
Mas espere — o caso da Arin é mais preocupante.
Esses pesadelos… devo pedir que ela conte?
— Lilith-sensei, que tal compartilharmos nossas experiências com o Arata-san? — sugeriu Levi, como se tivesse lido meus pensamentos.
— Sim, claro. Se formos simplesmente dormir de novo, os pesadelos continuarão. E flutuações mágicas são coisa séria — respondeu Lilith, pensativa. — Proponho uma atividade especial.
— Viva! Festa do pijama♪ — comemorou Yui.
— Não! Vamos discutir os pesadelos do Arata e da Arin-san! — cortou Lilith.
— Só pra constar, eu trouxe um monte de doces e sucos! — anunciou Selina, apontando para a cama cheia de guloseimas.
— A-ah… bom… — murmurou Lilith, visivelmente dividida.
— Vamos, relaxa um pouco — riu Levi, dando tapinhas no ombro da amiga.
Concordo com ela.
Uma conversa descontraÃda rende mais do que uma aula formal.
— Arin, conte-nos sobre seu sonho.
— Certo. Tudo começou quando obtive a lança — respondeu Arin, mostrando o anel no dedo anelar da mão esquerda.
Fechou os olhos e completou:
— Foi quando você, meu marido, se tornou inspetor.
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